1 de junho de 2012

Giselda Trigueiro pede socorro

Referência no atendimento a doenças infecto-contagiosas, hospital convive com sérias deficiências



Profissionais denunciam "genocídio assistido" pela falta de assistência adequada.
"A sociedade sabe que não existe uma UTI sequer para uma criança com doença infecto-contagiosa aqui no Giselda Trigueiro? A população sabe que se uma criança com catapora ou meningite precisar de uma UTI no Estado ela vai morrer sem assistência? Hoje, nós acolhemos as crianças doentes e as abandonamos na enfermaria, crianças que precisam de uma UTI ficam abandonadas à própria sorte na enfermaria. A gente acolhe, mas doente não precisa só de acolhimento, precisa de médico, de medicamento, de assistência, e falta tudo isso. A população precisa saber que pessoas estão morrendo à míngua, que morrem pacientes diariamente com doenças evitáveis, tratáveis, curáveis, como calazar, tuberculose, por falta de equipamentos, de estrutura". O relato da coordenadora do departamento de infectologia da UFRN, Iara Marques, foi apenas um de tantos depoimentos fortes, reveladores, e revoltados, durante a primeira visita realizada por representantes do Fórum da Saúde Pública ao Hospital Giselda Trigueiro.

Durante mais de três horas representantes do Fórum ouviram de médicos, enfermeiros, e servidores da saúde em geral, as dificuldades enfrentadas diariamente na unidade hospitalar. Os problemas apresentados são muitos, e graves. A médica da UTI do Giselda Trigueiro, Andréa Cavalcante, denunciou a falta de condições de dar diagnósticos a pacientes HIV positivo. Segundo ela, quando um paciente HIV positivo apresenta um comprometimento do pulmão, por exemplo, não há como realizar exames no Giselda Trigueiro capazes de diagnosticar qual o fungo, o germe, o que está causando aquele problema pulmonar. E aí entra em cena o "exercício da adivinhação".

"A sociedade sabe que esse Estado não tem um hospital para atender pacientes com Aids? A população sabe que esse Estado não tem um hospital com condições de dar diagnósticos para esses pacientes e que, quando eles apresentam comprometimento do pulmão ou cérebro, eles caem em um jogo de adivinhação? Nós não temos como diagnosticar o que está causando aquela piora e vamos tentando adivinhar, dando antibióticos sem a certeza de estar oferecendo o tratamento certo. Atendimentos que eu fiz no pronto-socorro de hospitais em São Paulo eu não tenho como fazer na UTI do Giselda. O índice de mortalidade aqui é de 80%, e nós temos bons médicos, mas fazemos diagnósticos", disse.

A promotora da Saúde, Iara Pinheiro, destacou que os representantes do Fórum estavam ali justamente para conhecer a realidade do hospital para, a partir daí, apresentar propostas concretas ao governo do estado. "Estamos aqui para ter uma aproximação do Fórum a uma realidade concreta dos serviços. Quando dizemos que o dinheiro não está chegando existem danos, e é importante que a gente vá às unidades de saúde para ter a real percepção das implicações dessa realidade. O Fórum tem uma proposta de enfrentamento coletivo ao desgoverno que nós estamos vivendo hoje Estado. Nós estamos buscando saídas para um momento de muita escuridão", disse a promotora.

A diretoria do hospital Giselda Trigueiro participou da reunião e compartilhou das angústias e denúncias dos servidores. As reclamações vão desde a falta de material básico até a escolha do paciente que irá para um respirador, a escolha pela vida de alguém.

"Quantas pessoas vão morrer de doenças infectocontagiosas que têm tratamento desde o século 19 para que o sistema mude? Até quando nós vamos compactuar com a morte de pessoas por falta de assistência? A população tem que ter conhecimento da situação que nós enfrentamos aqui diariamente", disse o diretor técnico da unidade, Carlos Mosca.

"O que nós vivenciamos no Giselda diariamente é um genocídio assistido, isso é crime. Eu não estudei para ver gente morrendo na minha frente por falta de assistência. Saúde é direito do povo e dever do estado. Nós atendemos pacientes que deveriam ser recebidos na rede básica, sem ter condições sequer de atender os nossos pacientes. Trabalhamos sem estrutura, sem o básico, muitas vezes faltam até luvas. É hora de repensar a saúde, alguma coisa tem que ser feita", completou a médica Edna Palhares. 

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