Na cultura popular brasileira, as
festas juninas
têm lugar especial, pois, além de valorizarem as tradições locais do
país, também revelam muitos elementos históricos, religiosos e
mitológicos curiosos, que passam despercebidos. Tais festas, como é
sabido, seguem o
calendário litúrgico da
Igreja Católica,
que, no processo de assimilação dos antigos cultos pagãos europeus – na
transição da Idade Antiga para a Idade Média –, acabou por
substituir os rituais dedicados aos deuses médio-orientais, gregos, romanos e nórdicos por festas dedicadas aos santos.
Havia, na segunda quinzena do mês de
junho, quando ocorria o solstício de verão na Europa, o culto a deuses
da natureza, das plantações, colheitas etc. Um desses deuses era Adônis, que, segundo o mito grego, foi disputado por Afrodite (deusa do amor) e Perséfone (deusa dos infernos). A disputa foi apaziguada por Zeus,
que determinou que Adônis passaria metade do ano com Afrodite, no mundo
superior, à luz do Sol, e a outra metade com Perséfone, no mundo
inferior, nas trevas.
Essa disputa entre deusas acabou sendo
associada aos ciclos naturais da vegetação, que morre no inverno e
renasce e vigora na primavera e verão. O culto a Adônis, cujo dia
específico era 24 de junho, tinha por objetivo a
celebração dessa renovação, da “boa-nova” do renascer da natureza. Essa
ideia foi assimilada pelo cristianismo, que substituiu Adônis por São João Batista.
São
João Batista, na tradição cristã, anunciou a “boa-nova” (boa notícia)
da vinda do Cristo, filho de Deus, salvador da humanidade, que
“renovaria todas as coisas”. Foi ele também que
batizou Cristo no rio Jordão. Da história de São João, a cultura popular
europeia retirou vários símbolos, que passaram a se mesclar com os
tradicionais ritos de colheita remanescentes do culto a Adônis. Um dos
símbolos mais importantes é a fogueira.
A fogueira,
característica das festas de São João, tem seu fundamento na história do
nascimento de João Batista. A fogueira era um sinal de Santa Isabel,
mãe de São João, para Maria, mãe de Jesus. Abaixo segue uma sinopse da
história, adaptada pela pesquisadora Lúcia Rangel:
Dizem que Santa
Isabel era muito amiga de Nossa Senhora e, por isso, costumavam
visitar-se. Uma tarde, Santa Isabel foi à casa de Nossa Senhora e
aproveitou para contar-lhe que dentro de algum tempo nasceria seu filho,
que se chamaria João Batista.
Nossa Senhora então perguntou:
— Como poderei saber do nascimento dessa criança?
— Vou acender uma
fogueira bem grande; assim você poderá vê-la de longe e saberá que João
nasceu. Mandarei também erguer um mastro com uma boneca sobre ele.
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Santa Isabel
cumpriu a promessa. Certo dia Nossa Senhora viu ao longe uma fumaceira e
depois umas chamas bem vermelhas. Foi à casa de Isabel e encontrou o
menino João Batista, que mais tarde seria um dos santos mais importantes
da religião católica. (“A lenda do surgimento da fogueira de São João”. In: RANGEL, Lúcia H. V. Festas juninas, festas de São João: origens, tradições e história. São Paulo: Publishing Solutions, 2008. p. 35).
No caso específico do
Brasil, a prática do acendimento da fogueira na noite de 23 para 24 de
junho foi trazida pelos jesuítas. Tal prática foi com o tempo associada a
outras tradições populares, como o forrobodó africano (espécie de dança de arrasta-pé), que daria no forró nordestino, e a quadrilha caipira, que herdou elementos de bailes populares da Europa – palavras como “anarriê”, “alavantú” e “balancê”, por exemplo, são adaptações de termos de bailes populares da França.
A fogueira é um dos elementos básicos da tradicional festa de São João
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Simpatias em torno da fogueira
Em torno da fogueira de São João também se desenvolveu uma série de
superstições e
simpatias.
Há, por exemplo, a prática do “batismo na fogueira”, que cria laços de
apadrinhamento na ação de saltar as brasas de uma fogueira que se tenha
acendido.
Há também a tradição de inúmeras simpatias
de adivinhação, principalmente aquelas relacionadas com o casamento. Um
exemplo é a simpatia de se passear descalço nas brasas da fogueira com
uma faca virgem em mãos. Depois, tal faca deve ser cravada em uma
bananeira. No dia seguinte, a pessoa deve tirar a faca da bananeira e
observar os desenhos que a nódoa do caule terá produzido. Desses
desenhos aparecerão as iniciais do nome da pessoa com quem vai se casar.
O grande folclorista potiguar Câmara Cascudo narra, em sua Antologia do Folclore Brasileiro, 302, n. 67, uma simpatia relacionada com a fogueira muito comum no Nordeste: “Em
noite de São João passa-se sobre a fogueira um copo contendo água,
mete-se no copo sem que atinja a água um anel de aliança preso por um
fio, e fica-se a segurar o fio; tantas são as pancadas dadas pelo anel
nas paredes do copo quantos os anos que o experimentador terá de esperar
pelo casamento”.
Esse tipo de simpatia, lembra Cascudo, remete a ritos religiosos pagãos, como a prática dos oráculos entre gregos e romanos.
Por Me. Cláudio Fernandes